domingo, 29 de junho de 2008
quinta-feira, 26 de junho de 2008
O desespero ou você?
Você tem o cheiro de alguma coisa picante, como canela, só que mais velha e salgada, um cheiro antigo, que envelhece meio rançoso. E esse é o seu cheiro, eu sei. Se fizessem uma essência de você, ela teria esse cheiro. Combina perfeitamente com todo o resto, as camadas de perfume e óleo, os cheiros de castanhas e amêndoas doces, são todos cheiros da terra, sementes e grãos oleosos que falam de você exatamente o que você quer que os outros saibam: que você é uma proposta, uma promessa, uma possibilidade de qualquer coisa maravilhosa sem hora para acabar e de inícios súbitos, a surpresa simples no fim do dia, a conversa perfeita e a sensação de estar inteiro no mundo, compreendido, acolhido pela profundidade dos seus nutrientes, dos seus olhos que abraçam. É assim que você seduz, e isso é você também. Mas não é tudo. Nunca é. Há algo salgado, picante e antigo em você. Como uma dor envergonhada que virou segredo, como o embaraço de uma criança humilhada na escola, rejeitada. Além do desespero. Sim, há uma pequena dose, quase imperceptível nos seus dias bons, mas está ali, e quem se aproxima acaba vendo. O desespero gritando entre dentes: Não me diga não.
Mas se dissolve na boca e acaba.
Mas se dissolve na boca e acaba.
O menino que rompeu com os adultos
Ficou com aquilo de ser quando crescer na cabeça. Foi para a frente da casa como quem sai de si um pouquinho, mas fica na porta, à espera, e se sentou no meio fio, olhando a poeira voadora da rua. Numa meninice muito séria e compenetrada. Era-se sempre uma coisa quando se crescia. Era-se médico, professor, tio, pai, namorado e era-se também entendedor das coisas todas. Mas e se nunca fosse? Cresceria? Mas e se nas provas de para-ser-grande não passasse? Que acontecia aos que nunca conquistavam o entendimento das coisas? Sentiu uma desilusão muito grande com os adultos, naquela tarde à porta da frente, porque deduziu nunca poder provar caso lhe estivessem mentindo. Se toda aquela espera fosse uma pregação de peça, feito a de perguntar a alguém como fazer um bobo esperar por um dia e então dizer “te conto amanhã”. E talvez nenhum adulto realmente fosse: Qualquer coisa. Só faz-de-conta que fosse. Ao crescer só se ganhava o direito de tapear os pequenos para lhes obrigar coisas.
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