quinta-feira, 26 de junho de 2008

O desespero ou você?

Você tem o cheiro de alguma coisa picante, como canela, só que mais velha e salgada, um cheiro antigo, que envelhece meio rançoso. E esse é o seu cheiro, eu sei. Se fizessem uma essência de você, ela teria esse cheiro. Combina perfeitamente com todo o resto, as camadas de perfume e óleo, os cheiros de castanhas e amêndoas doces, são todos cheiros da terra, sementes e grãos oleosos que falam de você exatamente o que você quer que os outros saibam: que você é uma proposta, uma promessa, uma possibilidade de qualquer coisa maravilhosa sem hora para acabar e de inícios súbitos, a surpresa simples no fim do dia, a conversa perfeita e a sensação de estar inteiro no mundo, compreendido, acolhido pela profundidade dos seus nutrientes, dos seus olhos que abraçam. É assim que você seduz, e isso é você também. Mas não é tudo. Nunca é. Há algo salgado, picante e antigo em você. Como uma dor envergonhada que virou segredo, como o embaraço de uma criança humilhada na escola, rejeitada. Além do desespero. Sim, há uma pequena dose, quase imperceptível nos seus dias bons, mas está ali, e quem se aproxima acaba vendo. O desespero gritando entre dentes: Não me diga não.
Mas se dissolve na boca e acaba.

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