"Não responder é um homicídio"
Ronan e Rosa Nascimentos
sábado, 29 de dezembro de 2007
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Crônica urbana: Macabéio
Ele era um gay feio, do tipo que é melhor fingir que não vê. Morava ali na comercial da trezentos e onze, num daqueles apartamentinhos de um quarto e sala com varanda colada na do vizinho. Falo assim porque sou politicamente correto e não sei dizer coisas como bicha afetada e veado uó. Ele era feio, do tipo que não se repara a menos que um amigo incauto do mesmo grupo resolva namorá-lo, ao que logo se atribui baixa auto-estima e carência afetiva. Parecia-me sempre aquela estatueta da Deusa, baixinha, toda furada, com o corpo caindo sobre si mesmo, peitos sobre uma barriga redonda por sobre as perninhas rechonchudas. Ele era mais ou menos do mesmo jeito, só que tinha pêlos, as pernas eram mais finas e usava umas bermudas desbotadas curtinhas para ficar na varanda sem camisa. De modo que tinha também um tom de pele ao qual não se vê com bons olhos em gente desse perfil; era um bronze avermelhado, mistura de índio com negro, que logo se fazia notar nos pêlos do peito e no cabelo que não era exatamente ruim, mas era crespo. Era uma figura medíocre e eu não gostava dele porque toda vez me fazia gracejos embaraçosos e de baixo nível quando me via passar.
Pensei sempre que devia ser algo como vendedor em loja de importados; com aquela pele azeda, sempre suada, e uma cara que eu nunca teria coragem de beijar de tão oleosa. Mas não era, era contador. Passava o dia num escritório apertado, com um andar discreto e falando baixo, coisa que eu nunca desconfiaria, visto que não me parecia um homem elegante. Era muito efeminado e de um jeito ruim, do tipo que não cai bem ao porte, fazia pose e vestia roupas de atacado, naqueles tons de verde e vermelho e com aqueles tecidos de que fazem camisa de time de futebol. As falsificadas.
E, quando chegava em casa, eu esperava que passasse as tardes ouvindo música ruim e vendo novela, mas assistia os jornais e gostava dos documentários do mundo animal. E tinha um amor. Ele o visitava umas quatro vezes na semana e dormia por lá, e ia embora na manhã seguinte porque tinha trabalho e morava com a avó. Faziam amor de noite e de tardinha – já tinham trepado um bocado e aprenderam que na cama não é lugar de serem comedidos ou fingirem. Às vezes invertiam, mas geralmente era certo quem dava e quem era penetrado. Trocavam juras de amor no colchão e falavam coisas bonitas. Bonitas no meu entender também. E depois voltavam a suas vidinhas que me faziam pensar em formigas, porque nunca vou olhar com ardor para o sangue que não corre azul.
E foi assim até ontem quando ele foi encontrado lá na setecentos e seis, com formigas na boca e hematomas na cara oleosa do sangue, não mais de suor. Entrou em coma depois do espancamento, disseram. E ainda vivia só que morreu no caminho para o hospital e a ambulância fez volta para o necrotério. E a mãe teve que pagar três passagens de ônibus. Foi currado também, o legista notou. Quem me contou foi o parceiro, depois de pegar as coisas no apartamento hoje cedo, viu-me na padaria – essas coisas não são para jornais. Nos jornais, a discriminação é coisa que a gente vê nos outros e que se discute nas aulas o motivo da TV tentar esconder, mas que agora já está mudando, porque os gays são capa de revista e queridinhos nas novelas das oito. Onde são bem-sucedidos. Casados. Dão-se bem com a família e os vizinhos. Não se beijam nem trepam antes do almoço e nunca, nunca são feios. Gay feio não existe, é lenda urbana. Esse aí, aliás, eu que inventei.
"[...] de herói porque somos covardes, o de santo porque somos maus. E o de assassino porque sempre existe alguém que gostaríamos de matar[...]"
Jean Paul Sartre
Pensei sempre que devia ser algo como vendedor em loja de importados; com aquela pele azeda, sempre suada, e uma cara que eu nunca teria coragem de beijar de tão oleosa. Mas não era, era contador. Passava o dia num escritório apertado, com um andar discreto e falando baixo, coisa que eu nunca desconfiaria, visto que não me parecia um homem elegante. Era muito efeminado e de um jeito ruim, do tipo que não cai bem ao porte, fazia pose e vestia roupas de atacado, naqueles tons de verde e vermelho e com aqueles tecidos de que fazem camisa de time de futebol. As falsificadas.
E, quando chegava em casa, eu esperava que passasse as tardes ouvindo música ruim e vendo novela, mas assistia os jornais e gostava dos documentários do mundo animal. E tinha um amor. Ele o visitava umas quatro vezes na semana e dormia por lá, e ia embora na manhã seguinte porque tinha trabalho e morava com a avó. Faziam amor de noite e de tardinha – já tinham trepado um bocado e aprenderam que na cama não é lugar de serem comedidos ou fingirem. Às vezes invertiam, mas geralmente era certo quem dava e quem era penetrado. Trocavam juras de amor no colchão e falavam coisas bonitas. Bonitas no meu entender também. E depois voltavam a suas vidinhas que me faziam pensar em formigas, porque nunca vou olhar com ardor para o sangue que não corre azul.
E foi assim até ontem quando ele foi encontrado lá na setecentos e seis, com formigas na boca e hematomas na cara oleosa do sangue, não mais de suor. Entrou em coma depois do espancamento, disseram. E ainda vivia só que morreu no caminho para o hospital e a ambulância fez volta para o necrotério. E a mãe teve que pagar três passagens de ônibus. Foi currado também, o legista notou. Quem me contou foi o parceiro, depois de pegar as coisas no apartamento hoje cedo, viu-me na padaria – essas coisas não são para jornais. Nos jornais, a discriminação é coisa que a gente vê nos outros e que se discute nas aulas o motivo da TV tentar esconder, mas que agora já está mudando, porque os gays são capa de revista e queridinhos nas novelas das oito. Onde são bem-sucedidos. Casados. Dão-se bem com a família e os vizinhos. Não se beijam nem trepam antes do almoço e nunca, nunca são feios. Gay feio não existe, é lenda urbana. Esse aí, aliás, eu que inventei.
"[...] de herói porque somos covardes, o de santo porque somos maus. E o de assassino porque sempre existe alguém que gostaríamos de matar[...]"
Jean Paul Sartre
sábado, 20 de outubro de 2007
O que é, o que é
Cultura.
Cul-tu-ra.
Cuultuuuurá!
Que droga é essa?
Tem mais de um ano que eu descobri que esse é o nome do bicho que me coça. O comichão que dá toda vez seguido de uma pergunta do tipo: “Por que mulher pode e homem não? ” ou “Por que os prédios são para cima e não para baixo?” ou “O que essa gente faz quando fica triste?”. Há mais de um ano eu peguei emprestado – e nunca devolvi, mas vamos nos ater ao que importa – dois livros: “Cultura, um conceito antropológico” de um tio* chamado Roque de Barros Laraia e “Antropologia Cultural” de um tal** Franz Boas. Decidido que estava a pegar a antropologia pelo chifre, surpreendi quando descobri que o negócio era bom. Era antropologia o nome que deram para o estudo das coisas esquisitas que eu ficava pensando o dia inteiro.
Aí eu decidi: “Cultura é todo elemento que define a identidade de um povo”. Era tudo aquilo que servia pra eu dizer quem eu era. Só que na lente de aumento. Quer dizer, eu sou o Ronan, isso aí é nome, eu sou brasileiro, é nacionalidade. Mas os brasileiros são como? Quer dizer, eles se governam de que jeito? Se limitam, se organizam, moram, comem, conversam, amam, fazem bebes, se educam, morrem e choram seus mortos e festejam sua vida. Isso aí é cultura. Identidade.
Meu problema é que o Daniel Piza seguido de uma gama de entendidos*** parece achar que cultura que serve pro jornal é só arte. Arte que é coisa do tipo: Teatro, dança, literatura, música, pintura, escultura, cinema e fotografia. Eu não gosto muito de arte. Eu adoro. Só que, no meu entender de não-entendido: arte é manifesto cultural; ela acontece quando o povo (pode entender comunidade, grupo, aglomeração, quadrilha) se sente seguro o bastante com a própria identidade ou perdido a respeito dela, ou perdido por causa dela e aí gera um pobre coitado que vai servir de vetor. Essa criatura – a gente chama de artista – é um serzinho assim, cheio de sensibilidade, que pode se perder fácil fácil por causa disso, e tem a missão (isso ele sente na pele) de mostrar para todo mundo o sentimento que cada atitude causa em uma pessoa ou em várias. Atitude essa que pode ser da comunidade, do grupo, da aglomeração, da quadrilha, enfim, do povo. Em relação ao próprio povo. Tá complicado?
Olha só: Um cara negro é linchado na rua. O artista retrata o linchamento. Ele pode olhar pro cara negro, ou pros linchadores, ou pra rua. No retrato, ele busca uma forma de tocar alguém pra isso. Colocar as pessoas no lugar do cara negro, dos linchadores, da rua. É para sentir alguma coisa. Qualquer coisa. Seja lá o que vier, intenção é fazer vir. Por quê? Ora porque isso é importante, se você não sentir nada, como vai saber que a mão no fogo tá queimando? Sem avisos do seu corpo, você se ferra. Os sentimentos são isso: um sistema nervoso que serve para avisar o que estamos fazendo. Primeiro a gente se conscientiza deles, depois toma uma atitude. De modo que a função social do artista é extremamente importante.
Só que cultura não se resume nessa arte. Essa é um aspecto dela, e não existe sem ela. Mas há outras formas de se fazer arte. Nesse sentido: de tocar os outros, e fazer um alguém vivenciar o lugar de outro alguém, ou até reconhecer o próprio lugar. Sabe, “Empatia”.
Olha lá a Casa das Pombas. É arte também. Aqueles garotxs**** que se reúnem para vivenciar um mundo melhor; juntaram-se numa casa abandonada, reformaram o lugar física e emocionalmente - talvez fumando uns baseados, talvez não – e abriram para que grupos políticos se encontrassem, para morar uns com os outros, para ensinar e aprender. Não, não é vadiagem, besta. Junta com um monte de gente e aprende a respeitar os limites dos outros; da geladeira, ao uso do banheiro, para viver em comunidade, não cada um no seu quarto e descobre o que acontece.
Mas ninguém se interessa por isso, o pouco debate que acontece é na esfera do “Propriedade ocupada ainda é privada depois de doze anos sem uso pelo proprietário? Impostos atrasados quitados pelo grupo dão a eles direito de posse? O grupo vai sair ocupando prédios abandonados por aí?” Isso se alguém quer debater.
Dá para entender à ojeriza ao capitalismo que os anarquistas têm. Ninguém se interessou pelo que eles faziam lá dentro, pela outra proposta que eles lançam.
Estão todos afoitos em defender o direito de ter. Não o de usar. Sem querer saber como usar, sem querer reparar (que medo) no como se usa. Sou a favor dos jovens, não dá para negar. Não de formar uma tropa de elite às avessas e sair ocupando tudo por aí (hum, se bem que na argentina isso foi interessante...), mas de pensar (e experimentar!) novas opções de viver, que podem ser mais prazerosas. Acima de tudo a beleza de entender a cultura está na descoberta de que ela é uma invenção. Isso aí. Mentirinha. Do tipo que a gente conta uns para os outros e se colar, colou.
Viu dona Mídia? Mostra o que é diferente também.
Nohtas (como diz o Millôr, hoje eu quero imitar gente importante):
* Tio, forma óbvia de denominar "professor", individuo que pode ou não ter uma lousa, usar giz de cera, publicar um livro, mas primeiramente ensina
* Tal, título popular dado a fíguras de importância para um grupo de pessoas, que as outras supõe ter alguma razão. No caso do Franz, o grupo é de antropólogos, pois, para eles o Boas é "O cara".
Cul-tu-ra.
Cuultuuuurá!
Que droga é essa?
Tem mais de um ano que eu descobri que esse é o nome do bicho que me coça. O comichão que dá toda vez seguido de uma pergunta do tipo: “Por que mulher pode e homem não? ” ou “Por que os prédios são para cima e não para baixo?” ou “O que essa gente faz quando fica triste?”. Há mais de um ano eu peguei emprestado – e nunca devolvi, mas vamos nos ater ao que importa – dois livros: “Cultura, um conceito antropológico” de um tio* chamado Roque de Barros Laraia e “Antropologia Cultural” de um tal** Franz Boas. Decidido que estava a pegar a antropologia pelo chifre, surpreendi quando descobri que o negócio era bom. Era antropologia o nome que deram para o estudo das coisas esquisitas que eu ficava pensando o dia inteiro.
Aí eu decidi: “Cultura é todo elemento que define a identidade de um povo”. Era tudo aquilo que servia pra eu dizer quem eu era. Só que na lente de aumento. Quer dizer, eu sou o Ronan, isso aí é nome, eu sou brasileiro, é nacionalidade. Mas os brasileiros são como? Quer dizer, eles se governam de que jeito? Se limitam, se organizam, moram, comem, conversam, amam, fazem bebes, se educam, morrem e choram seus mortos e festejam sua vida. Isso aí é cultura. Identidade.
Meu problema é que o Daniel Piza seguido de uma gama de entendidos*** parece achar que cultura que serve pro jornal é só arte. Arte que é coisa do tipo: Teatro, dança, literatura, música, pintura, escultura, cinema e fotografia. Eu não gosto muito de arte. Eu adoro. Só que, no meu entender de não-entendido: arte é manifesto cultural; ela acontece quando o povo (pode entender comunidade, grupo, aglomeração, quadrilha) se sente seguro o bastante com a própria identidade ou perdido a respeito dela, ou perdido por causa dela e aí gera um pobre coitado que vai servir de vetor. Essa criatura – a gente chama de artista – é um serzinho assim, cheio de sensibilidade, que pode se perder fácil fácil por causa disso, e tem a missão (isso ele sente na pele) de mostrar para todo mundo o sentimento que cada atitude causa em uma pessoa ou em várias. Atitude essa que pode ser da comunidade, do grupo, da aglomeração, da quadrilha, enfim, do povo. Em relação ao próprio povo. Tá complicado?
Olha só: Um cara negro é linchado na rua. O artista retrata o linchamento. Ele pode olhar pro cara negro, ou pros linchadores, ou pra rua. No retrato, ele busca uma forma de tocar alguém pra isso. Colocar as pessoas no lugar do cara negro, dos linchadores, da rua. É para sentir alguma coisa. Qualquer coisa. Seja lá o que vier, intenção é fazer vir. Por quê? Ora porque isso é importante, se você não sentir nada, como vai saber que a mão no fogo tá queimando? Sem avisos do seu corpo, você se ferra. Os sentimentos são isso: um sistema nervoso que serve para avisar o que estamos fazendo. Primeiro a gente se conscientiza deles, depois toma uma atitude. De modo que a função social do artista é extremamente importante.
Só que cultura não se resume nessa arte. Essa é um aspecto dela, e não existe sem ela. Mas há outras formas de se fazer arte. Nesse sentido: de tocar os outros, e fazer um alguém vivenciar o lugar de outro alguém, ou até reconhecer o próprio lugar. Sabe, “Empatia”.
Olha lá a Casa das Pombas. É arte também. Aqueles garotxs**** que se reúnem para vivenciar um mundo melhor; juntaram-se numa casa abandonada, reformaram o lugar física e emocionalmente - talvez fumando uns baseados, talvez não – e abriram para que grupos políticos se encontrassem, para morar uns com os outros, para ensinar e aprender. Não, não é vadiagem, besta. Junta com um monte de gente e aprende a respeitar os limites dos outros; da geladeira, ao uso do banheiro, para viver em comunidade, não cada um no seu quarto e descobre o que acontece.
Mas ninguém se interessa por isso, o pouco debate que acontece é na esfera do “Propriedade ocupada ainda é privada depois de doze anos sem uso pelo proprietário? Impostos atrasados quitados pelo grupo dão a eles direito de posse? O grupo vai sair ocupando prédios abandonados por aí?” Isso se alguém quer debater.
Dá para entender à ojeriza ao capitalismo que os anarquistas têm. Ninguém se interessou pelo que eles faziam lá dentro, pela outra proposta que eles lançam.
Estão todos afoitos em defender o direito de ter. Não o de usar. Sem querer saber como usar, sem querer reparar (que medo) no como se usa. Sou a favor dos jovens, não dá para negar. Não de formar uma tropa de elite às avessas e sair ocupando tudo por aí (hum, se bem que na argentina isso foi interessante...), mas de pensar (e experimentar!) novas opções de viver, que podem ser mais prazerosas. Acima de tudo a beleza de entender a cultura está na descoberta de que ela é uma invenção. Isso aí. Mentirinha. Do tipo que a gente conta uns para os outros e se colar, colou.
Viu dona Mídia? Mostra o que é diferente também.
Nohtas (como diz o Millôr, hoje eu quero imitar gente importante):
* Tio, forma óbvia de denominar "professor", individuo que pode ou não ter uma lousa, usar giz de cera, publicar um livro, mas primeiramente ensina
* Tal, título popular dado a fíguras de importância para um grupo de pessoas, que as outras supõe ter alguma razão. No caso do Franz, o grupo é de antropólogos, pois, para eles o Boas é "O cara".
domingo, 30 de setembro de 2007
Pauta futura:
Dia de Poesia
Quando é dia de poesia
Eu tenho vontade de sair correndo.
Pegar o telefone, ver um amigo, beber, trepar,
Qualquer coisa que tire isso da cabeça.
São dias que um nada faz chorar
E um olhar opaco é uma violência.
Um filme fotográfico que imprime
As minúsculas coisas da vida.
Os dias de poesia são os piores,
A poesia sufoca.
Laurinha Moreira, Atriz e Poetisa.
Eu sou ribeirinho
Nasci em beira de Rio, numa tarde de sol, depois de doze horas de trabalho de parto. Eu não queria sair. Fui forçado. Carrego uns duros traumas, aliás; mas faço terapia e vou bem, obrigado. Te digo isso tudo na mais humilde intenção de pedir desculpas. Tinha um propósito certo, juro, mas desculpa é um trem engraçado; depois que se descarrila não tem como voltar. Começaria me desculpando por não te atualizar, blasfêmia da minha parte, que sou jornalista formando e já devia saber muito bem do que é sagrado. Depois vi que a entrevista que devia estar aqui não se deu ao trabalho de aparecer. Uma beleza; fiz propaganda dela para tudo que é lado e agora além da cara no chão, fico com a cara sem nota. Aí, quer saber? Vou também me desculpar pelo mau humor, pela falta de tato, pelo desbocamento, o neologismo, a politicagem, a alienação e até pelo Diogo Mainardi – que, hoje em dia, o diabo também deve ser culpa minha. Mas é que eu não entendo de secas. E meus bisavôs índios se esqueceram de contar para essa geração como é a dança da chuva.
Sou nortista, amapaense e ando estressado. Foram 150 reais para ver uma Madeleine Peyroux muito mal produzida no centro de convenções, que cegou o público na iluminação, esqueceu de ligar os equipamentos de som no fundo da platéia (coisa que até divertiu a moça, que aprendeu com o público alguns palavrões em português, e fez proposta de emprego para o rapaz que gritou dizendo não ouvir nada, suponho que se alguém dissesse sempre o que há de errado nos shows durante o mesmo, as críticas seriam melhores ) e no palco ajambrado de qualquer jeito, com uns pilares de metal atrapalhando a visão e sem qualquer cenário. Esse último a gente perdoa. A simplicidade e doçura dela ao cantar dispensam esses acessórios. E não me venham os pseudo-entendidos querer que eu a compare à Billie Holiday. O blog é meu. E se alguém vier com essa história aqui, leva. Estão avisados. Os timbres são muito diferentes, mesmo que eu não consiga verbalizar os porquês.
Billie cantava de um jeito amargurado e sofrido, como tinha sido sua vida. Abandonada pelo pai ao nascer com uma mãe de treze anos de idade. Foi violentada por um vizinho e acabou se prostituindo aos quatorze, antes que um pianista do Harlem a visse cantar. Isso, óbvio, além de todas as coisas que qualquer negra da Filadélfia menos traumatizada tinha que enfrentar. Embora a comparação seja elogiosa, essa realidade não é nem de longe o que está refletido na voz da Peyroux.
Nascida na Geórgia de 1974, Madeleine parece fazer tudo o que toca virar ouro e não ser muito chegada à fama, o que explica o sumiço de seis anos que deu, depois que seu álbum “dreamland” foi lançado em 1996. Os quais viveu como artista de rua em Paris e tocando com outros nomes nos clubes americanos. Em 2004, lançou “Careless Love” e acho que só não desapareceu de novo porque sua gravadora contratou um detetive particular para ficar atrás dela, além de contar a história para a mídia, claro.
Ela me parece acima de tudo uma aventureira. Pouco foi dito sobre sua personalidade além desses causos hilários de artista em fuga, mas as músicas contam o resto. Coloquei-as para escrever. Quando as letras são dela, parecem sempre falar sobre uma mulher que busca a felicidade, por vezes errando no amor, mas sem confundir o mensageiro com a mensagem. Como em “I´m all right”, do álbum “Half the perferct world”, que ela cantou no show dizendo ser “uma música sobre ficar bem por si só” ou algo do gênero. E isso é claro para qualquer um que experimenta a solidão depois de longa estadia mal-acompanhada. Mesmo que esteja em alerta para a tristeza, prestando atenção nas armadilhas que já conhece (“blue alert”) às vezes também canta sobre se arriscar em algo novo. Ou em manter a decisão de buscar coisas boas, mesmo que ainda se pergunte, vez ou outra quando acorda à noite, por que eles não deram certo, por que não tentaram mais uma vez. Ela o guarda na memória com carinho, como fazemos com os amores cujo tempo passou, contudo, cansou-se de morrer e resolveu viver ao invés disso (“Once in a while”).
Há sabedoria na melodia doce de Madeleine Peyroux, sabedoria para todos que se dispuserem a ouvir. Inclusive para mim, que quando a escuto, quando realmente paro para ouvi-la, ela diz que entende o que é desejar ter um rio (“river”) e não ouvir uma palavra sequer da multidão gritando ao seu redor ("Everybody’s talkin’"). Então me diz “baby, say good bye” para lembrar que não é bom se agarrar ao que dói ou apressar o fluxo, afinal, a vida é fluída, e isso tem suas vantagens. Ora, é como conversar.
Melhor agora. Não há mais nada a desculpar, o coração descarregou as culpas.
Jazz ou Blues? Isso é discussão de sábios. Eu fico com a noção de que arte é curativa, seja qual for seu nome. Lembrei que a última música do show dizia “ouvi dizer que vai chover”. E talvez seja isso. Billie doía. Com razão, verdade, mas ela tinha desistido.
Madeleine? Não posso acreditar que desista. Não ouvindo-a cantar com tanta esperança. Fiquem com os termos corretos, que importam? Eu sou ribeirinho.
Sou nortista, amapaense e ando estressado. Foram 150 reais para ver uma Madeleine Peyroux muito mal produzida no centro de convenções, que cegou o público na iluminação, esqueceu de ligar os equipamentos de som no fundo da platéia (coisa que até divertiu a moça, que aprendeu com o público alguns palavrões em português, e fez proposta de emprego para o rapaz que gritou dizendo não ouvir nada, suponho que se alguém dissesse sempre o que há de errado nos shows durante o mesmo, as críticas seriam melhores ) e no palco ajambrado de qualquer jeito, com uns pilares de metal atrapalhando a visão e sem qualquer cenário. Esse último a gente perdoa. A simplicidade e doçura dela ao cantar dispensam esses acessórios. E não me venham os pseudo-entendidos querer que eu a compare à Billie Holiday. O blog é meu. E se alguém vier com essa história aqui, leva. Estão avisados. Os timbres são muito diferentes, mesmo que eu não consiga verbalizar os porquês.
Billie cantava de um jeito amargurado e sofrido, como tinha sido sua vida. Abandonada pelo pai ao nascer com uma mãe de treze anos de idade. Foi violentada por um vizinho e acabou se prostituindo aos quatorze, antes que um pianista do Harlem a visse cantar. Isso, óbvio, além de todas as coisas que qualquer negra da Filadélfia menos traumatizada tinha que enfrentar. Embora a comparação seja elogiosa, essa realidade não é nem de longe o que está refletido na voz da Peyroux.
Nascida na Geórgia de 1974, Madeleine parece fazer tudo o que toca virar ouro e não ser muito chegada à fama, o que explica o sumiço de seis anos que deu, depois que seu álbum “dreamland” foi lançado em 1996. Os quais viveu como artista de rua em Paris e tocando com outros nomes nos clubes americanos. Em 2004, lançou “Careless Love” e acho que só não desapareceu de novo porque sua gravadora contratou um detetive particular para ficar atrás dela, além de contar a história para a mídia, claro.
Ela me parece acima de tudo uma aventureira. Pouco foi dito sobre sua personalidade além desses causos hilários de artista em fuga, mas as músicas contam o resto. Coloquei-as para escrever. Quando as letras são dela, parecem sempre falar sobre uma mulher que busca a felicidade, por vezes errando no amor, mas sem confundir o mensageiro com a mensagem. Como em “I´m all right”, do álbum “Half the perferct world”, que ela cantou no show dizendo ser “uma música sobre ficar bem por si só” ou algo do gênero. E isso é claro para qualquer um que experimenta a solidão depois de longa estadia mal-acompanhada. Mesmo que esteja em alerta para a tristeza, prestando atenção nas armadilhas que já conhece (“blue alert”) às vezes também canta sobre se arriscar em algo novo. Ou em manter a decisão de buscar coisas boas, mesmo que ainda se pergunte, vez ou outra quando acorda à noite, por que eles não deram certo, por que não tentaram mais uma vez. Ela o guarda na memória com carinho, como fazemos com os amores cujo tempo passou, contudo, cansou-se de morrer e resolveu viver ao invés disso (“Once in a while”).
Há sabedoria na melodia doce de Madeleine Peyroux, sabedoria para todos que se dispuserem a ouvir. Inclusive para mim, que quando a escuto, quando realmente paro para ouvi-la, ela diz que entende o que é desejar ter um rio (“river”) e não ouvir uma palavra sequer da multidão gritando ao seu redor ("Everybody’s talkin’"). Então me diz “baby, say good bye” para lembrar que não é bom se agarrar ao que dói ou apressar o fluxo, afinal, a vida é fluída, e isso tem suas vantagens. Ora, é como conversar.
Melhor agora. Não há mais nada a desculpar, o coração descarregou as culpas.
Jazz ou Blues? Isso é discussão de sábios. Eu fico com a noção de que arte é curativa, seja qual for seu nome. Lembrei que a última música do show dizia “ouvi dizer que vai chover”. E talvez seja isso. Billie doía. Com razão, verdade, mas ela tinha desistido.
Madeleine? Não posso acreditar que desista. Não ouvindo-a cantar com tanta esperança. Fiquem com os termos corretos, que importam? Eu sou ribeirinho.
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Quiprocó, na Caixa
Aqui; xá eu te contar do que se faz um bom domingo: ‘cê pega ali o Complexo Caixa, sabe Caixa? ‘li menino, onde só tem banco, tem lá ‘quele grandão – Banco do Brasil – pois é, lá atrás. Tem um treco lá chamado assim ó: Complexo Cultural da Caixa, vai tê lá nome, estacionamento, exposição - tudo bonitinho - uns postais que todo mundo passa mão - num sobra nenhum se perdê tempo – até café tem, mas é caro, num vô te menti. Então. Pega essa rota; assim depois das seis sete da tarde, já teve o lanche, foi pra parada das moça que gosta de moça, se é de parada ( se num é, num foi ), tava pensando em um cineminha... mas num vai pra cineminha não! Pres’ tenção! Ocê vai é pro teatro. Que é bão. Confia. É bão.
Inda mais quando vem uns moço (com uma moça) lá das riba de ... sei bem não, parece que de todo lugar, num tal de grupo Moitará (tô te falando, rapaz, Moitará, feito se dizia da troca de objeto ou sirviço, comercial ou de cultura dos índios do Xingu entre si, lá no Mato Grosso), que diz que faz pesquisa desde que eu nasci (1988) pra mó de entendê que diacho é isso de trabalho de ator. Já trouxeram um monte de gente batuta desse mundo afora, e saem por aí, dando palestra à torto e à direito. Têm inté acervo que deixam o povo futricá, e vão rodar o País com essa peça, a começar daqui rumando a São Paulo, depois de passar por Salvador, Curitiba e o Rio, mostrando os estudo que fizerum cumas máscara pra criar uns tipo. É. Eu disse tipo, menino, tá acompanhando?
Então, tipo. Assim que nem esses personagem nordestino que são metido a engraçadinho, esperto, varado de fome, mas temente a deus e a seus Santo Antonio. Fizeram cá um espetáculo desses bobo - com cara que é pra criança - que diz é tudo (como só os bobos sabem dizer), chamado “Quiprocó”, montado num palco alumiado cumas cor bunita de daná, com música da boa, tirada ali mermo da sanfona, do batuque, com a viola e o violino, com diálogos tão gostosos, que logo se vê serem obra de direção mais livre, que deixa o ator criar. E, se num vê logo, vê dispois; tomando um susto quando olha os cabras (mais a dama) tirando as máscara, parecendo inté que era aquela a cara deles mermo. Coisa rara, no que tenho visto. Chegaram por detrás pedindo licença nuns dizeres assim
“Oh de casa, nobre gente
Dá licença de chegar
Abre portas e janelas
Para em vossa casa brincar”
E tanto brincaram, no palco e com o público, que a gente nem viu o tempo passar. Mas passou. Agora já foi, junto cás oficina de fazer máscara estranha, de cobrir meio rosto, rosto inteiro, cuns narigão que tavam dano até anteontem. Aí vão me perguntar assim: Pros mó de quê cocê num avisou antes? Eu respondo: Pro ‘cês largar de ser besta, e proveitá o que tem na cidade. Que com cinco reais, iam tê aprendido mais dessa nossa brasilidade que se aprende nas aulas de geografia e terminado o domingo bem à beça, feito eu, que num tenho cara de bocó.
Pelo menos inda dá pra ver o Portinari em exposição e com dez reais ouvir um monte de marchinha em “Sassaricando”, espetáculo que fica té o fim do mês. Agora vem reclamar que num avisei, vem. Hum!
"Às vezes, pelas tardes, uma face
nos observa do fundo de um espelho;
a arte deve ser como este espelho
que nos revela a nossa própria face."
(Arte Poética/Jorge L. Borges)
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Quem veio primeiro e outras dúvidas cruéis
O teatro se faz do quê? E a literatura? A gente um dia acorda artista? Poeta faz que curso? Músico vive como? Um jornalista eu sei, é feito de muitas perguntas e interesse comum. Você pega um cara-de-pau, ensina ele a descobrir o que todo mundo quer saber, ir um pouco além e pronto. Está feito. Dá para melhorar, é verdade, mas a essência é essa e tem quem pague bem. E o artista? “Dê a ele a sensação do mundo”, certo. Mas ele lê o que para aprender? Se eu contar que, nessa cidade de clima seco, não são só as árvores que entortam? Nesse sonho de fazer arte as pessoas se desdobram. Tem quem trabalhe feito louco – feliz, de fato, mas louco – para transformar expressão em ganha pão. Tem quem tenha vida dupla, de dia analisa sistemas, de noite se analisa em cena. E há os que se escondem, ah! Como há.
Os que deixam a vontade de gritar latente; morrem de medo de um pincel ou tela em branco, porque sabem muito bem o destino de quem se deixa levar por esse mar de sensação.
Vejo-os todos, caminho entre eles, disfarçado. Agora é tempo de contar o que ando vendo. Nessa cidade em que namoros e amigos são passaporte de entrada para o que você puder imaginar, é hora de alguém dizer o que forma a identidade dessa juventude comprometida com o Brasil e consigo, que se conhece toda e jura que não se entende em nada. O centro do país é um ovo. Um ovo de Codorna. Eis minhas pauta: Quero falar de como ele é subversivo.
Os que deixam a vontade de gritar latente; morrem de medo de um pincel ou tela em branco, porque sabem muito bem o destino de quem se deixa levar por esse mar de sensação.
Vejo-os todos, caminho entre eles, disfarçado. Agora é tempo de contar o que ando vendo. Nessa cidade em que namoros e amigos são passaporte de entrada para o que você puder imaginar, é hora de alguém dizer o que forma a identidade dessa juventude comprometida com o Brasil e consigo, que se conhece toda e jura que não se entende em nada. O centro do país é um ovo. Um ovo de Codorna. Eis minhas pauta: Quero falar de como ele é subversivo.
O ovo sai do Cena.
Morar em Brasília é voltar de viagem e poder assistir “Abril” de graça no Goldoni. Então perder. Porque a cidade inteira resolveu adorar o espetáculo cuja estréia tinha só você mais uns gatos pingados, ano passado, e não durou muito em cartaz, apesar das atrizes, lindas, intensas e com aquele jeito de quem é de outro planeta terem saído pela cidade distribuindo panfletos. Não deu público.
Aí ganharam o prêmio Sesc de melhor atriz, para a Natássia Garcia e melhor direção. Rodaram o país - como faz quem ganha esse prêmio. Foram parar no meu estado, inclusive, meus amigos de Macapá viram e adoraram.
Lembro o impacto que tivemos aquele dia: saímos sem lembrar o que elas tinham dito! Nem uma palavra; não conseguíamos dizer nada.
Parecem séculos, queria tanto ver de novo, descobrir se ainda me causaria as mesmas sensações, se eu entenderia melhor o texto complexo, ou se mais uma vez me perderia nos rostos e atos daquelas duas mulheres opostas e potentes falando do tempo, do amor, de si. Mas os cabelos da Natássia não estão mais raspados e eu perdi a cabeleira castanha da Luciana Mauren por falta de espaço.
Brasília é assim.
Ilude, oferece consolo, então ilude outra vez: à noite, pagamos oito reais para ver “Fernando e Isaura” no teatro da Caixa, adaptado do romance de 1956 do Suassuna - que anda na moda – pelo grupo SaGRAMA e saímos querendo deixar por lá só o figurino, a orquestra fantástica ( mal-aproveitada ) e o iluminador. Fico cada dia mais convencido que só espetáculo ruim dá tanto a falar. Foi uma noitada de Balaio rodando cada aspecto da peça até todos concordarem que a atriz, além de feia, com uma voz sem ternura, não convenceu ninguém travestida de mocinha e isso era culpa do diretor que não soube guiar os atores para que acreditássemos naquele amor desastroso, baseado em Tristão e Isolda. Eu quis que os dois morressem logo no primeiro ato, e ficaram me segurando por duas horas, francamente, me senti desrespeitado. Onde esteve o teatro? Ou a proposta era mesmo ser chato?
Ontem o festival acabou. Despedimo-nos do oitavo Cena Contemporânea com uma minuciosa dança poética japonesa feita num palco todo coberto de areia bem fina e flores brancas penduradas do teto. Com uns homens de feições alienígenas e pernas musculosas e roupas claras que não queriam partir, e se agradeceram umas cinco vezes, luzes apagando, acendendo de novo e apagando. O povo do Teatro Nacional aplaudindo em peso, grato do fundo do peito por não receber nenhuma história, explicação ou sentido. E, no entanto, sair de lá com a sensação de que entendeu-se tudo, e isso é bom. Tirando a perplexidade diante à cultura estrangeira, ninguém disse mais nada. Para meu espanto, que - preconceituoso - sempre acho "público" um povo meio besta, e tenho o sonho de ver teatro sozinho, saímos bobos e calmos em comunhão.
"Kagemi" significa muitas coisas, eu li. Kage é sombra, mi é espelho, ou ver. "Ver a sombra" é como eu gosto de traduzir, embora a intenção seja outra. Vou escrever sobre isso em algumas semanas. Por enquanto, posso dizer que é uma dessas obras que nos afetam o corpo inteiro, exigem disposição para entrega, mas nos pegam desprevenidos. E dão muita fome.
Talvez o teatro sempre dê fome. Assim nos faz desejar para logo o que mais tenha a dar. É disso que vou falar por aqui.
Aí ganharam o prêmio Sesc de melhor atriz, para a Natássia Garcia e melhor direção. Rodaram o país - como faz quem ganha esse prêmio. Foram parar no meu estado, inclusive, meus amigos de Macapá viram e adoraram.
Lembro o impacto que tivemos aquele dia: saímos sem lembrar o que elas tinham dito! Nem uma palavra; não conseguíamos dizer nada.
Parecem séculos, queria tanto ver de novo, descobrir se ainda me causaria as mesmas sensações, se eu entenderia melhor o texto complexo, ou se mais uma vez me perderia nos rostos e atos daquelas duas mulheres opostas e potentes falando do tempo, do amor, de si. Mas os cabelos da Natássia não estão mais raspados e eu perdi a cabeleira castanha da Luciana Mauren por falta de espaço.
Brasília é assim.
Ilude, oferece consolo, então ilude outra vez: à noite, pagamos oito reais para ver “Fernando e Isaura” no teatro da Caixa, adaptado do romance de 1956 do Suassuna - que anda na moda – pelo grupo SaGRAMA e saímos querendo deixar por lá só o figurino, a orquestra fantástica ( mal-aproveitada ) e o iluminador. Fico cada dia mais convencido que só espetáculo ruim dá tanto a falar. Foi uma noitada de Balaio rodando cada aspecto da peça até todos concordarem que a atriz, além de feia, com uma voz sem ternura, não convenceu ninguém travestida de mocinha e isso era culpa do diretor que não soube guiar os atores para que acreditássemos naquele amor desastroso, baseado em Tristão e Isolda. Eu quis que os dois morressem logo no primeiro ato, e ficaram me segurando por duas horas, francamente, me senti desrespeitado. Onde esteve o teatro? Ou a proposta era mesmo ser chato?
Ontem o festival acabou. Despedimo-nos do oitavo Cena Contemporânea com uma minuciosa dança poética japonesa feita num palco todo coberto de areia bem fina e flores brancas penduradas do teto. Com uns homens de feições alienígenas e pernas musculosas e roupas claras que não queriam partir, e se agradeceram umas cinco vezes, luzes apagando, acendendo de novo e apagando. O povo do Teatro Nacional aplaudindo em peso, grato do fundo do peito por não receber nenhuma história, explicação ou sentido. E, no entanto, sair de lá com a sensação de que entendeu-se tudo, e isso é bom. Tirando a perplexidade diante à cultura estrangeira, ninguém disse mais nada. Para meu espanto, que - preconceituoso - sempre acho "público" um povo meio besta, e tenho o sonho de ver teatro sozinho, saímos bobos e calmos em comunhão.
"Kagemi" significa muitas coisas, eu li. Kage é sombra, mi é espelho, ou ver. "Ver a sombra" é como eu gosto de traduzir, embora a intenção seja outra. Vou escrever sobre isso em algumas semanas. Por enquanto, posso dizer que é uma dessas obras que nos afetam o corpo inteiro, exigem disposição para entrega, mas nos pegam desprevenidos. E dão muita fome.
Talvez o teatro sempre dê fome. Assim nos faz desejar para logo o que mais tenha a dar. É disso que vou falar por aqui.
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