Morar em Brasília é voltar de viagem e poder assistir “Abril” de graça no Goldoni. Então perder. Porque a cidade inteira resolveu adorar o espetáculo cuja estréia tinha só você mais uns gatos pingados, ano passado, e não durou muito em cartaz, apesar das atrizes, lindas, intensas e com aquele jeito de quem é de outro planeta terem saído pela cidade distribuindo panfletos. Não deu público.
Aí ganharam o prêmio Sesc de melhor atriz, para a Natássia Garcia e melhor direção. Rodaram o país - como faz quem ganha esse prêmio. Foram parar no meu estado, inclusive, meus amigos de Macapá viram e adoraram.
Lembro o impacto que tivemos aquele dia: saímos sem lembrar o que elas tinham dito! Nem uma palavra; não conseguíamos dizer nada.
Parecem séculos, queria tanto ver de novo, descobrir se ainda me causaria as mesmas sensações, se eu entenderia melhor o texto complexo, ou se mais uma vez me perderia nos rostos e atos daquelas duas mulheres opostas e potentes falando do tempo, do amor, de si. Mas os cabelos da Natássia não estão mais raspados e eu perdi a cabeleira castanha da Luciana Mauren por falta de espaço.
Brasília é assim.
Ilude, oferece consolo, então ilude outra vez: à noite, pagamos oito reais para ver “Fernando e Isaura” no teatro da Caixa, adaptado do romance de 1956 do Suassuna - que anda na moda – pelo grupo SaGRAMA e saímos querendo deixar por lá só o figurino, a orquestra fantástica ( mal-aproveitada ) e o iluminador. Fico cada dia mais convencido que só espetáculo ruim dá tanto a falar. Foi uma noitada de Balaio rodando cada aspecto da peça até todos concordarem que a atriz, além de feia, com uma voz sem ternura, não convenceu ninguém travestida de mocinha e isso era culpa do diretor que não soube guiar os atores para que acreditássemos naquele amor desastroso, baseado em Tristão e Isolda. Eu quis que os dois morressem logo no primeiro ato, e ficaram me segurando por duas horas, francamente, me senti desrespeitado. Onde esteve o teatro? Ou a proposta era mesmo ser chato?
Ontem o festival acabou. Despedimo-nos do oitavo Cena Contemporânea com uma minuciosa dança poética japonesa feita num palco todo coberto de areia bem fina e flores brancas penduradas do teto. Com uns homens de feições alienígenas e pernas musculosas e roupas claras que não queriam partir, e se agradeceram umas cinco vezes, luzes apagando, acendendo de novo e apagando. O povo do Teatro Nacional aplaudindo em peso, grato do fundo do peito por não receber nenhuma história, explicação ou sentido. E, no entanto, sair de lá com a sensação de que entendeu-se tudo, e isso é bom. Tirando a perplexidade diante à cultura estrangeira, ninguém disse mais nada. Para meu espanto, que - preconceituoso - sempre acho "público" um povo meio besta, e tenho o sonho de ver teatro sozinho, saímos bobos e calmos em comunhão.
"Kagemi" significa muitas coisas, eu li. Kage é sombra, mi é espelho, ou ver. "Ver a sombra" é como eu gosto de traduzir, embora a intenção seja outra. Vou escrever sobre isso em algumas semanas. Por enquanto, posso dizer que é uma dessas obras que nos afetam o corpo inteiro, exigem disposição para entrega, mas nos pegam desprevenidos. E dão muita fome.
Talvez o teatro sempre dê fome. Assim nos faz desejar para logo o que mais tenha a dar. É disso que vou falar por aqui.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
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Um comentário:
Ahhh! Vc viu a apresentação do Butô? Quase morro de tão lindo!
Beijos
Jan
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