terça-feira, 8 de julho de 2008

Porta afora

Há um mundo lá fora. Não é o melhor mundo. Não é o mundo que nós gostariamos de ver, nem é tão mágico, nem é tão sujo. É basicamente um mundo para se dar adjetivos, não virá adjetivado e as pedras no chão doem nos pés. Mas é um mundo real. E mesmo que o mundo real não ensine nada nem possua trilha sonora, é refrescante. Porque nossas fantasias, por mais belas que sejam, criam mofo com o tempo.

domingo, 29 de junho de 2008

É verdade que às vezes tento me contentar com a confusão entre raciocinar e intuir. Convencido de ser essa a minha jornada, caminhar no confuso e encontrar as verdades úteis no meio dele. Sempre mudando, sempre reciclando.
eu espero verdades reveladoras até das folhas caindo.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

O desespero ou você?

Você tem o cheiro de alguma coisa picante, como canela, só que mais velha e salgada, um cheiro antigo, que envelhece meio rançoso. E esse é o seu cheiro, eu sei. Se fizessem uma essência de você, ela teria esse cheiro. Combina perfeitamente com todo o resto, as camadas de perfume e óleo, os cheiros de castanhas e amêndoas doces, são todos cheiros da terra, sementes e grãos oleosos que falam de você exatamente o que você quer que os outros saibam: que você é uma proposta, uma promessa, uma possibilidade de qualquer coisa maravilhosa sem hora para acabar e de inícios súbitos, a surpresa simples no fim do dia, a conversa perfeita e a sensação de estar inteiro no mundo, compreendido, acolhido pela profundidade dos seus nutrientes, dos seus olhos que abraçam. É assim que você seduz, e isso é você também. Mas não é tudo. Nunca é. Há algo salgado, picante e antigo em você. Como uma dor envergonhada que virou segredo, como o embaraço de uma criança humilhada na escola, rejeitada. Além do desespero. Sim, há uma pequena dose, quase imperceptível nos seus dias bons, mas está ali, e quem se aproxima acaba vendo. O desespero gritando entre dentes: Não me diga não.
Mas se dissolve na boca e acaba.

O menino que rompeu com os adultos

Ficou com aquilo de ser quando crescer na cabeça. Foi para a frente da casa como quem sai de si um pouquinho, mas fica na porta, à espera, e se sentou no meio fio, olhando a poeira voadora da rua. Numa meninice muito séria e compenetrada. Era-se sempre uma coisa quando se crescia. Era-se médico, professor, tio, pai, namorado e era-se também entendedor das coisas todas. Mas e se nunca fosse? Cresceria? Mas e se nas provas de para-ser-grande não passasse? Que acontecia aos que nunca conquistavam o entendimento das coisas? Sentiu uma desilusão muito grande com os adultos, naquela tarde à porta da frente, porque deduziu nunca poder provar caso lhe estivessem mentindo. Se toda aquela espera fosse uma pregação de peça, feito a de perguntar a alguém como fazer um bobo esperar por um dia e então dizer “te conto amanhã”. E talvez nenhum adulto realmente fosse: Qualquer coisa. Só faz-de-conta que fosse. Ao crescer só se ganhava o direito de tapear os pequenos para lhes obrigar coisas.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Uma arte

Elizabeth Bishop

Não é difícil de aprender a arte de perder
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que sua perda não traz desastre.

Perca algo todos os dias. Aceite o susto
de perder chaves, de perder tempo.
Não é difícil de aprender a arte de perder.

Depois pratique a arte de perder mais rápido mil outras coisas:
lugares, nomes, onde planejou suas férias.
Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe.
A última, ou a penúltima, de minhas casas queridas.
Não é difícil aprender a arte de perder.

Perdi duas cidades, entes queridos.
Pior, perdi alguns reinos, dois rios, um continente.
Perdê-los trouxe saudade, mas não desastre.

- Até perder você (a voz que ri, os gestos que amo).
Não posso mentir: não é difícil.
Não é difícil aprender a arte de perder
por mais que a perda - anote isto! - pareça desastre.

sábado, 10 de maio de 2008

ssshiii...

eu estou escondido.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Veja, de novo...

O discurso jornalístico anda tão viciado, tão Veja, tão obviamente sem análise profunda e ofensivo à valores divergentes que qualquer matéria de outro tipo é bem-vinda, só por ser diferente. Uma defesa da manutenção das favelas ao invés de sua demolição - de exemplo -, por mais não-estruturada, por mais ilógica, por maior que for a distância entre seus argumentos e as possibilidades do real, eu aceito! Eu compro a briga. Só para ver uma idéia além de "as favelas deixam o Rio feio" "Vamos salvar nosso Cartão Postal". Até o discurso da segurança pública já me impacienta. Outro dia uma amiga dizia o mesmo a respeito da política estudantil na Unb. Disse-me já começar a acreditar na votação paritária só por ser diferente, só por ser outra coisa. O fato é que o excesso de qualquer visão infarta. A ponto de não se esperar do novo ser bom ou ruim. Apenas que seja refrescante.

terça-feira, 15 de abril de 2008

É engraçado nós esperarmos sempre que todas as reações nos atinjam de imediato, quando muitas delas, mesmo a raiva, e o medo, que são as mais apaixonadas, podem demorar horas, dias ou qualquer outra medida de tempo para se manifestar claramente. Através de uma imagem, ou de uma sensação, como uma paisagem, um vento no rosto. Um cheiro ruim. Já tive vezes em que desatei a chorar no meio da rua com uma lembrança que, na hora acontecida, não me provocou nada que me tirasse da indiferença. Há um imediatismo da nossa formação, a formação da nossa geração. Chega a ser possível que só percebamos o prazer das nossas relações muito depois, quando pensamos ou falamos sobre elas. Tão atribulados estávamos em fazer com que fossem prazerosas. Nesses casos não sei se está tudo bem o prazer vir depois, através da lembrança, ou se ele poderia ser parte do acontecimento, caso eu não estivesse tão ansioso pelo minuto seguinte. Ultimamente estou sempre em dúvida se é preferível dizer alguma coisa ou apreciar simplesmente o silêncio.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Bloqueio

Onde coloquei esta história? Onde está, onde está? Onde a perdi, como ela sumiu de mim? Será que ainda a guardo comigo? Talvez eu a tenha deixado cair nos arquivos velhos e empoeirados, estranhamente reluzentes da memória esquecida.
Os arquivos trancados, emperrados com a falta de uso, empilhados uns sobre os outros, próximos demais, apertados demais. Prestes a cair daquela imensa janela circular remendada com toras de uma madeira apodrecida - o único lugar por onde o sol pode entrar.
Exageradamente afastados da escada. Pelo risco de que um visitante qualquer, vítima de um tropeção em um dos livros não lidos no tapete, usasse a alça de uma das gavetas para se sustentar.

Como outra vez aconteceu a minha tia Vera, no mezanino do meu avô, aleijando a velha empertigada, que passou o resto da vida conciliando aquele nariz empinado com um mancar ridículo. E nunca participou de aventura nenhuma, porque se recusava a "se misturar"

Será por isso que a história ficou aqui?

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Tomada de Consciência

Descobri recentemente que sofro de uma timidez crônica com personalidades e seus respectivos públicos.

Dia de Poesia

Laura Moreira


"Quando é dia de poesia
Eu tenho vontade de sair correndo.
Pegar o telefone, ver um amigo, beber, trepar,
Qualquer coisa que tire isso da cabeça.
São dias que um nada faz chorar
E um olhar opaco é uma violência.
Um filme fotográfico que imprime
As minúsculas coisas da vida.
Os dias de poesia são os piores,
A poesia sufoca.
E então tudo comove, angustia, excita, desespera
E eu quero fugir, muito mesmo.
Porque poesia é morte
E mergulhar é morrer um pouco.
As vezes eu tenho coragem
As vezes eu viro o rosto
E finjo que não é comigo.
Muitas vezes eu viro o rosto e finjo que não é comigo.
Eu adoro quem diz que poesia é bonitinha
E os olhos brilham e dão logo um suspiro de amor.
E tem inveja dos poetas pelo gênio, sensibilidade, glamour.
Esses nunca leram poesia
E se leram nunca comeram poesia e respiraram poesia e choraram poesia
Quando a poesia vem
A gente tenta sempre pensar em outra coisa
Qualquer coisa, porque é um cansaço.
Porque ser poeta é um cansaço.
A poesia é suja e feia que nem sexo é sujo e feio.
A poesia escorre pelo queixo e mancha a roupa,
Vem com o orgasmo e lambe a orelha.
A poesia é bêbada e dorme sempre com o rosto na sarjeta.
Ser poeta é amar o feio, o torto, o disforme
Porque poesia é torta, feia e disforme,
Retrato da vida.
Ser poeta é amar o que é
Sem excentricidades."



Talvez seja pela intimidade dos amigos, ou pela identificação, mas penso que as poesias da Laura ficam muito mais vivas quando entoadas pelo Ferdí.

A mais pura verdade

"Brasília é a capital do carão. Leia-se: Medão"
Caminhei a vida inteira em beiradas de abismos e agora sinto-me viciado nas vertigens.

Crônica prematura

Ah... pobre Virgínia, quisera sempre o melhor homem.
Os desamparados tendem a colecionar figuras paternas.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Maria Bethânia



Foi assim a estréia de Maria Bethânia. No teatro Opinião, com dezoito anos, no Rio, cantando "Carcará" de João do Vale. À convite da Nara Leão, que lhe ouvira cantar no show "Mora na filosofia", onde Bethânia fora lançada oficialmente como cantora por Caetano, ainda em Salvador. A repercussão de Carcará foi enorme, e ela voltou para Salvador, dizem, temerosa do rótulo de cantora de protesto. Voltaria em 1996 decidida a ser cantora.

Patrimônio nacional. Pode ver.

Carcará
Lá no sertão
É um bicho que avoa que nem avião
É um pássaro malvado
Tem o bico volteado que nem gavião
Carcará
Quando vê roça queimada
Sai voando, cantando,
Carcará
Vai fazer sua caçada
Carcará come inté cobra queimada
Quando chega o tempo da invernada
O sertão não tem mais roça queimada
Carcará mesmo assim num passa fome
Os burrego que nasce na baixada
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que home
Carcará
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa o umbigo inté matá
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que home
Carcará

segunda-feira, 7 de abril de 2008

"Há duas grandes tragédias na vida: uma é não conseguir aquilo que seu coração ardentemente deseja. A outra é conseguir."
George Bernard Shaw


Ironicamente, o problema com a liberdade é ela nos tornar responsáveis. Quando não somos livres, temos todas as ações justificadas como a vontade do outro. Quando o somos, existe apenas um protagonista. Herói e vilão. E não são as circustâncias.

George Bernard Shaw





George Bernard Shaw foi jornalista no século dezenove; um dos maiores críticos de arte e resenhista literário noticiados pela história. E dramaturgo brilhante. Das suas peças vieram obras como "My fair lady" (inspirada em "Pigmalião" - que o Millôr traduziu) e do seu gênio frases que marcam filmes e séries até hoje. Shaw era um irlandês polêmico e irônico. Passou dez anos em Londres até conseguir um trabalho fixo, lá pelos vinte e nove anos. Enquanto isso, suas obras foram rejeitadas por possivelmente todas as editoras londrinas. "Quando era jovem, descobri que nove de cada dez coisas que eu fazia eram um fracasso. Eu não queria ser um fracasso. Então, passei a trabalhar dez vezes mais"
Mas ele não desistiu. Da mesma forma, não se calou durante a I guerra; denunciou aliados e alemães em suas culpas e reinvindicou a paz. Era um defensor do socialismo, crítico ferrenho dos costumes da sociedade vitoriana - especialmente da estreita mente masculina - e sua arte teatral rasa.
Deve ter criado umas setenta peças, antes de recusar o Prêmio Nobel.

"Precisamos de algumas pessoas malucas,
vejam só para onde as pessoas normais nos levaram."


Hoje, é patrimônio da humanidade. O que quer que isso signifique.

George Bernard Shaw



"Há duas tragédias na vida: uma é não conseguir o que o coração deseja ardentemente. A outra é conseguir."

Shaw foi jornalista, escritor e dramaturgo irlândes do fim do século 19. Construiu-se como crítico de arte, resenhista literário e colunista musical. No entanto, levou dez anos para consegui um trabalho fixo em londres,

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Senhor Deus,

Venho lhe pedir para me mostrar como errar erros novos. É que dos erros antigos, Senhor Deus, as pessoas já cansaram. Eu nem tanto, a maioria das vezes eu nem os percebo e, sabe, estou até tão acostumado a errar algumas coisas, que nem quero tanto assim mudar não, porque é cansativo.
Mas não quero que as pessoas que eu gosto cansem de mim; e dos meus erros já conhecidos e óbvios e piadas entre amigos.
Na verdade, Senhor, para ser totalmente honesto com sua Onisciência, preciso dizer que quero mudar sim, que é ruim não mudar, que entristece ver todos mudarem e a gente não – ficar assim, parado, olhando, e todos indo e a gente não -. Então quero mudar sim, mas é que não sei como.
Quando penso muito acho claro que o problema está aí: no ‘não saber como’, Senhor. Então penso mais um pouco e começo a achar que, sinceramente, eu não sei direito que erro é esse que tem que deixar de ser errado. E quando dou exemplo disso ou daquilo, dizem-me simplesmente “bom, então deixe de fazer isso”. É mais difícil não matar o pé de ipê quando somos nós os donos da rua.
Parece muito mais difícil descobrir o como antes do o que. Mas, um pouco que analisando, talvez se alguém simplesmente me dissesse o que fazer eu só não ouvisse. E se me disserem o que faço, eu não vou entender, porque não percebi sozinho. Nos metemos em cada sinuca por aqui, Senhor, o Senhor nem ia acreditar.

Senhor Deus, vai ver então que o Senhor nem precisa fazer nada não. Que quem tem que ver sou só eu mesmo. Mas, se o senhor não puder me dar uma dica, uma pista ou coisa assim, eu vou ficar muito grato só de saber que tem alguém olhando eu reclamar. Vendo.

Muito obrigado,
Ronan.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Trecho

alguns dias eu nem acredito das coisas das quais faço parte
Veja o menino que fui; o que tinha certeza de que a vida passaria num quadro impressionista, retratando eternamente aquele mato orvalhado cobrindo a terra lamacenta do quintal. E o único lugar para o grande, para o notável, seria a tela daquela cabecinha de menino, de imagens rápidas, sólidas e surrealistas. É esse menino que se isola no quarto com outras telas repletas de artificialidades pontilhadas e digitais, a salvo dos sustos de notar a vida notavelmente grandiosa que construiu sem se saber construindo – pois de outra forma, inclusive, poria tudo abaixo -, para tomar algum fôlego, pois os anos passam e ele ainda guarda a sensação de que a felicidade é vertiginosa, estranha expansiva. Que lhe descompressa os pulmões e exige ar, tomando espaço, ocupando; com um agir intuitivo de levantar a mão e se imprimir no mundo.

Mas essa felicidade é um sopro, está claro. Veja como escrevo: falando a você, sempre a você – querendo ser visto (bem, isso é humano, nós sabemos) -. Só que tão pequeno, tão comprimidamente. Um comprimido de texto. Como se diz das crônicas de humor, só que sem graça. Espere.

Eu sou simplesmente um produto do meu tempo (olhe que tolice: acabo de dizer “isso é humano”. Como se tudo mais, inclusive eu, não o fosse) assim vivemos, sentimos e lembramos. Tudojunto. Pequeno e rápido, talvez não se viva. Mas certamente se fala assim. Economizando. Um ponto disso, um ponto disso e você já sabe o que quero dizer, então para que precisamos ter isso dito? Nós dois, eu e você, temos pressa, mesmo que seja uma pressa tranqüila. É porque vamos apenas passar. E a sua vida na minha mente fica sendo um retrato impressionista.
Então temos tristeza. Eu noto tristeza; bom, na verdade noto uma vaga sensação de perder algo e lembro da familiaridade, da expressão no rosto dos outros, do nome que ouvi: tris-te-za. É bonito. É a questão do impressionismo, existe sempre mais de uma sugestão, quando vi uma, perdi outra.
Seria bom poder escolher que impressão levar. Talvez a tristeza da infância esteja nisso: nós não escolhemos a impressão que trazemos, mas algo aqui soube das possibilidades. Que o mato orvalhado poderia ter sido uma selva e a lama, areia movediça. Sem telas voyerísticas do mato e contemplações surrealistas eu teria sido mais feliz? Ou só teria sido qualquer coisa que não sou.

Falta sempre um fecho. Digo a mim mesmo quando isso acontece: “você está com medo de dizer tudo”. No entanto quando é que dizemos tudo? Diz-se que deixar brechas é tão pseudo-profundo. Mas outro dia disseram de mim que, por sempre delinear tanto e trazer cada ponto, sou por demais didático. Como se isso fosse uma coisa ruim. Como se para imprimir tivesse de ser vago. Como a vagueza no notar a felicidade das coisas que andam e funcionam na vida,